Acervos e trajetória de um homem oitocentista
Filho de Joaquim Theobaldo Machado de Vasconcellos e de D. Maria Álvares da Silva Bueno, Francisco Álvares Machado de Vasconcellos foi batizado na cidade de São Paulo no dia 29 de dezembro de 1790 e faleceu no Rio de Janeiro em 4 de julho de 1846. Como era comum à época, Francisco estudou as então denominadas primeiras letras em casa, junto ao pai, cirurgião-mor estabelecido na cidade. Ainda sob orientação do pai, foi introduzido nos estudos de cirurgia e, em 1806, com 15 anos de idade, assentou praça de ajudante na Legião de Voluntários de São Paulo para poder não só ouvir as lições do Dr. Mariano José do Amaral, physico-mor (médico) das tropas da capitania de São Paulo, como para praticar cirurgia no Hospital Militar da cidade. Essa trajetória evidencia o que era ser cirurgião no Brasil do início do século XIX. Separada da faculdade de medicina, curso oferecido apenas em algumas cidades europeias, a cirurgia ainda se caracterizava como ofício, uma prática que o aprendiz desenvolvia acompanhando um mestre.
Entre 1809 e 1810, Francisco Álvares Machado mudou-se para Itu. As razões da mudança são controversas. Há quem afirme que o jovem pretendia começar uma vida independente, criando sua própria clínica como cirurgião-operador. Outra versão afirma que Álvares Machado buscava, na verdade, refúgio em Itu após ter cometido um delito em São Paulo. Ainda de acordo com esta versão, seu pai à época já morava em Itu e, sendo assim, Álvares Machado buscava abrigo junto ao pai. Ao que tudo indica, após um surto de varíola, Joaquim Theobaldo, pai do jovem Álvares Machado, decidiu retornar à São Paulo, enquanto o filho permaneceu na vila. Esses fatos, assim como a de seu casamento com D. Cândida Maria de Barros, são marcados por incertezas. De todo modo, é possível afirmar que em 1825 Francisco Álvares Machado de Vasconcellos e Cândida Maria de Barros residiam em Porto Feliz com dois filhos, Maria Angélica, de 11 anos, e Joaquim Ignácio, de 10 anos de idade.
Foi em Porto Feliz que Francisco Álvares Machado começou a frequentar clubes políticos, ingressando no ativo círculo liberal da província, integrado por homens como Diogo Antônio Feijó, Nicolau Campos Vergueiro, Francisco de Paula Sousa e José da Costa Carvalho. Uma geração decisiva nos rumos da política imperial das décadas de 1820 e 1830. Foi ainda na vila de Itu que Álvares Machado – nome pelo qual Francisco ficaria conhecido – foi apresentado a Hercule Florence, então um jovem artista que chegava à vila para integrar a expedição Langsdorff e que, posteriormente, em 1830, se tornaria seu genro. Aliás, como cirurgião, Álvares Machado era atento às novas ideias em circulação na Europa, importava muitos de seus instrumentos de trabalho, tentava produzir novos aqui no Brasil e, ao saber da expedição, apoiou-a integralmente.
Em parceria com Hercule Florence, seu genro, em 1836, investiu ainda na compra de equipamentos para fundação de uma tipografia, que foi a primeira no interior de São Paulo. Sem dúvida, havia um interesse político na aquisição do maquinário. Esses anos foram da mais dura disputa entre liberais e conservadores pela direção do Império, o que resultou na Revolução Liberal de São Paulo e Minas Gerais. Em 1842, ano de eclosão da revolução, Hercule Florence editava o jornal O Paulista 1 .
O engajamento nessas disputas não eliminou, no entanto, o interesse de Álvares Machado pelo mundo das letras. Ao que parece, ao final da vida, deixou uma coleção de poesias em poder do conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, da qual só foi possível localizar algumas, impressas bem mais tarde, na década de 1870.
Apesar desses interesses, e de ter se tornado uma referência na cirurgia de catarata no Brasil, o que tornou Álvares Machado uma figura pública com projeção nacional foi a política. Já durante as lutas pela independência, Álvares Machado se mobilizou para sustentar, ao lado de liberais de Minas e do Rio de Janeiro, a permanência do príncipe d. Pedro I no Brasil à frente de uma monarquia sediada no Rio de Janeiro. Com a outorga da Constituição de 1824, que criou os Conselhos Gerais de Província, o cirurgião paulista ingressou formalmente no mundo da política, tendo sido eleito em 1834 para uma das 21 vagas do Conselho Geral de São Paulo. Apesar de suas limitações legislativas, ocupar tal assento dava ao conselheiro acesso aos principais debates locais, projetando seu nome na província. Nesse momento, Álvares Machado já morava na vila de São Carlos (depois de 1842, cidade de Campinas) e, de lá, ao lado de outros liberais, articulou forte oposição à política centralista do primeiro imperador.
Em 1831, essa oposição levou Francisco Álvares Machado a viajar para a corte imperial e tomar parte no movimento de base popular que forçou a abdicação de d. Pedro I, se juntado ao “povo e tropa” no Campo de Santana, no centro da cidade. Em 1834, foi eleito por São Paulo para a terceira legislatura da Assembleia Geral Legislativa, tornando-se deputado. Para esse cargo, seria eleito por três outras vezes, em 1838, 1842 e 1845.
Durante todos esses anos, além de uma atuação expressiva no parlamento, Álvares Machado tomou parte em eventos chave da política nacional: se engajou no golpe que resultou na antecipação da maioridade de d. Pedro II em julho de 1840 e que, tendo sido liderado pelos liberais, reconduziu o grupo à direção do Império por meio da composição do gabinete ministerial de 24 de julho; foi nomeado por este gabinete para presidir a província do Rio Grande do Sul, conflagrada desde 1835 pelos Farroupilhas, e, em 1842, face ao avanço do projeto político conservador, pegou em armas, juntamente com outras lideranças paulistas, articulando e fazendo eclodir a revolução na província.
Foi essa face pública de Francisco Álvares Machado de Vasconcellos, perpetuada exatamente por conta de sua atuação política, que conseguimos recuperar em acervos públicos. Na verdade, e essa é uma informação importante, em função da pandemia do corona vírus, a pesquisa se restringiu aos acervos disponíveis na internet. O resultado, no entanto, foi bastante expressivo e, agora, pela ação do Instituto Hercule Florence – IHF, se torna mais acessível a pesquisadores e ao público interessado na história do Brasil.
No repositório aqui disponibilizado, o leitor encontrará um vasto material sobre a vida do cirurgião, político e fazendeiro Francisco Álvares Machado de Vasconcellos: dos discursos que realizou ao longo de sua vida parlamentar até cartas pessoais, incluindo ainda notícias pulicadas na imprensa e uma bibliografia significativa – acadêmica (teses e dissertações) e memorialista – sobre sua trajetória e/ou eventos nos quais tomou parte. Tudo isso devidamente mapeado, classificado e organizado em pastas:
Pastas do repositório | Conteúdo |
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Discursos | Declarações realizadas por Álvares Machado na Câmara dos Deputados durante as três legislaturas. |
Notícias | Publicações sobre a vida pessoal e profissional de Álvares Machado na imprensa. |
Cartas e produções textuais | Textos de autoria de Álvares Machado. |
Eleições | Documentos relativos as eleições nas quais Álvares Machado participou. |
Bibliografia | Obras que tratam sobre a vida e principais acontecimentos que ele esteve envolvido. |
Dados demográficos e paroquiais | Maços populacionais e registros paroquiais de casamento e batismo de Álvares Machado e seus familiares. |
Resta-nos, portanto, desejar a todos uma boa pesquisa!
1. BOURROUL, Estevam Leão. Hercules Florence (1804-1879): Ensaio histórico-litterario. São Paulo: Typographia Andrade, Mello & Comp., 1900, p. 398-399; SOUZA FILHO, J. D. de. Com a Revolução Liberal de 1842 surgiu o primeiro jornal de Sorocaba. Revista de Estudos Universitários - REU, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, 2021. Disponível em: https://periodicos.uniso.br/reu/article/view/4527.
Adriana Barreto de Souza
Professora do Departamento de História da UFRuralRJ e
Pesquisadora do CNPq e da Faperj.
Jessica Santana de Assis Alves
Doutoranda da UFRuralRJ e bolsista CAPES.