Em busca de conhecer os costumes dos povos nativos e de amostras da fauna e da flora do interior do Brasil os viajantes percorreram ao todo quase 17 mil quilômetros entre 1821 e 1828
"Passagem da cachoeira chamada Misericórdia e chegada no dia seguinte pela manhã em São Florêncio, uma das maiores das paragens. Acima, uma ilha arborizada a divide em dois braços e termina abaixo numa bela praia onde estamos comodamente acampados." Foi assim que o artista viajante Hercule Florence (1804-1879) descreveu sua passagem pela Cachoeira São Florêncio, no Amazonas, no livro L’Ami des Arts Livré à Lui-Même, diário sobre sua vida e obra, onde também escreveu sobre sua participação como desenhista na Expedição Langsdorff na seção Voyage Fluvial du Tiété à l’Amazonie.
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Uma das mais importantes incursões científicas realizadas no Brasil no século XIX, a Expedição Langsdorff foi patrocinada pelo Império Russo e encabeçada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico e naturalista alemão naturalizado russo e cônsul da Rússia no Império do Brasil.
A audaciosa viagem foi realizada em duas etapas: uma terrestre (1821-1825) e outra fluvial (1825-1828), que percorreu mais de 13 mil quilômetros pelos Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Grão-Pará, a maior parte navegando pelos rios Tietê, Paraná, Paraguai, Tapajós e seus afluentes.
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Para o primeiro trecho da aventura, Langsdorff contratou um artista, o alemão Johann Moritz Rugendas, além de cientistas como o botânico Ludwig Riedel, o astrônomo Ne´ster Rubtsov e o zoólogo e linguista Édouard Ménétries.
Entretanto, as constantes brigas com o chefe da missão, fizeram com que o Rugendas abandonasse o grupo e trilhasse seus próprios caminhos nas terras brasileiras. Para a segunda etapa da viagem, que partiu do Rio de Janeiro em 3 de setembro de 1825, Rugendas foi substituído por dois artistas: Hercule Florence e Aimé-Adrien Taunay (filho de Nicolas-Antoine Taunay).
Mais de 13.000 km foram percorridos no segundo trecho da viagem, passando pelos Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará (a maior parte navegando pelos rios Tietê, Paraná, Paraguai, Tapajós e seus afluentes).
Durante essa etapa, em janeiro de 1828, o jovem desenhista, de apenas 25 anos, Taunay, ao tentar atravessar a nado o rio Guaporé, na antiga Vila Bela (atual Rondônia), foi levado pela corredeira. Langsdorff também não escapou ileso. À beira do Juruena, contraiu malária e, em maio de 1828, começou a apresentar sinais de loucura.
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Após o retorno dos viajantes para o Rio de Janeiro, Langsdorff regressou à Europa. Grande parte do material produzido durante a expedição foi reunido por Hercule Florence e enviado para a Rússia. Manuscritos, desenhos, aquarelas, mapas, espécies minerais, herbários, animais empalhados, registros de línguas indígenas e correspondências. Também fazem parte deste acervo os diários de Langsdorff, que revelam detalhes sobre os costumes e a língua de tribos como os Apiacás, Mundurucus e Guanás, estes, registrados por Florence.
O material permaneceu esquecido na Academia de Ciências de São Petersburgo até serem descobertos, por acaso, um século depois, em 1930. Os manuscritos dos diários de Langsdorff foram traduzidos e publicados, pela primeira vez, em 1998.