“Não teria eu iniciado a arte mais do que maravilhosa de desenhar qualquer objeto, sem dar-me ao trabalho de o fazer com a própria mão?” Hercule Florence, 24 de junho de 1833
Personagem com múltiplos interesses e habilidades, Hercule Florence (1804 - 1879), ficou conhecido tanto como “artista viajante” quanto inventor. A mais célebre de suas criações foi a fotografia, descoberta em 1833, quando buscava processos alternativos para a reprodução gráfica.
Sob condições científicas muito diversas, Florence produziu cópias fotográficas em Campinas (SP) quase que ao mesmo tempo que Joseph Nicéphore Niépce (1765 - 1833) e Louis Jacques Mandé Daguerre (1781 - 1851), na França, e William Henry Fox Talbot (1800 - 1877), na Inglaterra.
Tudo começou quando Hercule inventou, em 1830, o que chamou de polygraphie [poligrafia], método de impressão em cores semelhante ao atual mimeógrafo.
A partir de 1832, ele passou a investigar as possibilidades de fixação da imagem utilizando a câmara escura por meio de um elemento que mudasse de cor pela ação da luz. Com a ajuda do boticário Joaquim Correa de Mello, realizou experiências fotoquímicas que deram origem a imagens batizadas por ele de photographie [fotografia] em 1833.
No manuscrito “Correspondance” Hercule anotou: “Em 1832, assaltou-me a ideia de imprimir pela ação da luz sobre o nitrato de prata. O Sr. Correia de Mello (muito notável botânico brasileiro) e eu demos ao processo o nome fotografia.” Em seus manuscritos Florence descreveu também suas experiências com sais de ouro, como uma substância sensível à luz. Certamente foi o primeiro na história da fotografia a utilizar esse método.
Em janeiro de 1833, Florence realizou diferentes experiências com o nitrato de prata. Primeiro construiu uma câmara obscura usando uma paleta de pintura e lente de monóculo. Muito rústica e imperfeita, a câmera não permitiu a formação de uma imagem exata no papel. Na segunda tentativa usou um pedaço de telha de vidro e usou fumaça de vela para deixá-la negra. Escreveu sob a telha: Et toi Divin soleil, prête-moi tes rayons. Colocou então papel embebido em nitrato de prata embaixo da telha e expôs o experimento ao sol. Foi assim, que Hercule viu as letras escritas na telha formarem-se no papel. Sobre a experiência ele escreveu: “Esta descoberta trará vantagens extraordinárias. O aparelho foi aí reduzido a um quadrado de vidro: os ingredientes a uma solução de nitrato de prata.”
Já para a sua terceira experiência, realizada em 20 de janeiro de 1833, Florence aperfeiçoou sua câmara obscura e fixou um pedaço de papel embebido em uma solução de nitrato de prata. Deixou a invenção mirada para a janela de casa e, depois de quatro horas, tirou o papel. Mais uma vez havia ali uma imagem registrada. Porém, ele notou que, o que deveria estar escuro estava claro e o que estava claro, estava escuro. Era o negativo da fotografia.
Hercule continuou com seus experimentos, tentando os efeitos de diferentes materiais e substâncias. Uma delas, bem curiosa por sinal, foi a utilização da urina para substituir o amoníaco, que reduzia os sais de prata não atingidos pela luz.
Sobre o processo o inventor escreveu: [...] exposta ao sol, uma estante simplificada, sujeita à inclinação tal que os raios solares fiquem perpendiculares à superfície que se pinta de preto. Nela se aloja a prancha de vidro, com o desenho virado para dentro; coloca-se entre a prancha e a estante uma folha de papel sobre o qual há uma camada de cloreto, que aí se deixa cerca de um quarto de hora. Sabe-se que o cloreto de ouro escurece quando exposto aos raios solares. Ora, estes atravessam o desenho e só escurecem o papel sobre que incidem e, dessa forma, fica impresso o desenho. Retirada a prova, o desenho mal aparece. Levando-o para a escuridão põe-se em bacia em que se junta água e urina. O desenho torna-se imediatamente preto pela ação da urina; aí se deixa bastante tempo e, ao ser retirado, é posto a secar na sombra. [...]
Alguns dos experimentos, porém, ficavam apenas na imaginação do inventor. Em uma de suas anotações ele imaginou e se indagou como seria a técnica de impressão pela luz com a da impressão simultânea de várias cores, usando assim duas de suas invenções: a fotografia e a poligrafia. Ele escreveu: “Quisera Deus pudéssemos imprimir à luz, obtendo exemplares coloridos! Quisera Deus encontrássemos meios de fixar as cores dos objetos refletidos na câmara obscura, sobre o papel que ali colocaríamos, e que ao fazer um desenho colorido sobre o vidro ou sobre o papel transparente, pudéssemos obter exemplares coloridos! A luz do sol e das velas adquire a cor dos corpos transparentes que ela atravessa, não existe um corpo ou não poderíamos compor um que possua a propriedade de reter a cor dos raios coloridos?
A imagem acima, dos rótulos de farmácia, pertencente ao acervo do IHF, faz parte de uma pequena série de desenhos impressos fotograficamente produzida pelo franco-monegasco e são os mais antigos registros fotográficos nas Américas.
A explicação do método fotográfico aparece melhor acabada no manuscrito L’Ami des arts livré à lui-même, redigido entre 1837 e 1859 como compêndio ilustrado de sua vida e obra e, que hoje, faz parte do acervo do IHF. Para conhecer mais sobre o manuscrito e / ou adquirir o fac-símile e a transcrição acesse a página sobre a obra. Para fazer download da obra completa clique aqui.