ensaios e reflexões

Vida e obra

Inventor, desenhista, pintor, tipógrafo... Conheça mais sobre a vida de Hercule Florence

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Inventor de um dos primeiros processos fotográficos do mundo, Antoine Hercule Romuald Florence (Nice, França 1804 - Campinas, SP 1879) foi, certamente, um dos mais interessantes e notáveis estrangeiros que se estabeleceu no Brasil, no século XIX.

Inventor de um dos primeiros processos fotográficos do mundo, Antoine Hercule Romuald Florence (Nice, França 1804 - Campinas, SP 1879) foi, certamente, um dos mais interessantes e notáveis estrangeiros que se estabeleceu no Brasil, no século XIX. Além de inventor, foi desenhista, pintor, tipógrafo e naturalista.

Retrato de Hercule Florence - Centro de Memória UNICAMP (CMU)

Graças às pesquisas e ao livro “Hercule Florence — A Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil” (1976), do professor Boris Kossoy, já em terceira edição pela Edusp, Florence é hoje reconhecido como um dos pioneiros do processo fotográfico, ao lado dos conterrâneos Nicéphore-Niépce (1765-1833) e Louis Daguerre (1787-1851) e do inglês Henry Fox Talbot (1800-1877). Ele criou o termo “fotografia” (“photographie”) sete anos antes do inglês John Herschel, que acabou levando o crédito pela criação.

Filho do médico militar Arnaud Florence e da monegasca Augustine Vignalis, Florence nasceu em 28 de fevereiro de 1804 em Nice, França, tendo passado sua infância em Mônaco. Desde cedo demonstrava interesse por desenho, ciências e pelas famosas expedições de viajantes europeus ao Novo Mundo.

Aos 20 anos, embarcou em Toulon na fragata Marie Thérèse partindo para uma viagem de circum-navegação. Hercule desembarcou no primeiro ponto de paragem da fragata, o porto do Rio de Janeiro, em 1824, dois anos depois da independência do Brasil.

Após ter trabalhado em uma loja de tecidos e em uma livraria dirigida pelo francês Pierre Plancher, Florence foi recrutado como desenhista da Expedição Langsdorff (1821-1829), organizada pelo Barão von Langsdorff, Cônsul Geral da Rússia no Brasil e também naturalista.

FLORENCE, Hercule -  1 Pain de Sucre. 2. Corcovado. 3. Montagne de Gouveia. [Desenho do Carnet de dessins] -  [1825] -  Aguada sobre papel -  19,3 x 24,7 cm -  Coleção Bibliothèque Nationale de France (Paris)

Em setembro de 1825 os viajantes vão para Santos de navio e seguem a partir de Porto Feliz, por via fluvial, o caminho das monções até alcançar a Amazônia. De 1826 a 1829 percorrem os atuais Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Amazonas e Pará. Durante a expedição, Florence realiza uma série de desenhos e aquarelas, nos quais retrata a fauna, a flora, a paisagem e a população dos locais visitados, que, com os trabalhos do artista alemão Rugendas (1802 - 1858) e do desenhista francês Adrien Taunay (1803 - 1828), constituem a única documentação iconográfica completa dessa viagem.

+ Confira o mapa interativo da Expedição Langsdorff

Para além dos relatos documentais da jornada, o contato com a natureza brasileira durante essa longa viagem, em toda a sua exuberância visual e sonora, foi o que instigou Hercule Florence a desenvolver seus maiores inventos: a zoofonia - método para transcrever as “vozes dos animais” por meio dos signos tradicionais da música - e, para publicá-la, as técnicas gráficas que levaram à descoberta da fotografia em 1833.

As ilustrações de Florence, os documentos e as amostras relatadas pela expedição, que duraram quase três anos (1826 - 1829), foram esquecidas por mais de um século na Academia Imperial da Rússia, em São Petersburgo e redescoberto em 1930.

FLORENCE, Hercule - Indienne Apiacá, au Diamantino de Mato-Grosso. Diamantino de Matto-Grosso. Fevrier, 1828. Hercule Florence, ft. - 1828 - Aquarela e nanquim sobre papel - 27,2 x 10,0 cm - Coleção Arquivo da Academia de Ciências (São Petersburgo) 

Após o fim da Expedição Langsdorrf, Hercule casa-se com Maria Angélica, filha de Francisco Álvares Machado e Vasconcellos, importante médico e político do segundo reinado, futuro governador do Rio Grande do Sul, e fixa residência em Campinas (então denominada Vila de São Carlos).

Lá ele se tornou agricultor de sucesso, editor e dono da primeira gráfica da cidade. Maria Angélica morreu em 1850 e quatro anos depois, ele se casou com Carolina Krug, uma imigrante alemã nascida em 1828 em Kassel. Juntos, fundaram em 1863 uma escola para meninas, o Colégio Florence, que foi transferido para Jundiaí após a morte de Hercule. Ele teve um total de 20 filhos, sendo 13 com Maria Angélica e 7 com Carolina, dos quais apenas 13 chegaram à idade adulta.

Cabinet portrait retratando (da esquerda para a direita): Giorgetti, Augusta Florence, Olivia Florence (filha), Olivia Florence (mãe), Carolina Krug Florence (sentada), Ataliba Florence (de pé) e Isabel Florence (sentada). Hahn Nachfolger. Reprodução: IHF

Foi ainda em Campinas que Hercule, desenvolveu sua primeira grande invenção relacionada a impressão: a Poligrafia (ou Autografia). Idealizada em 1831, quando o artista buscava alternativas para a publicação de seu artigo sobre as “vozes dos animais” (Zoofonia). Em oposição às técnicas trabalhosas e dispendiosas da tipografia e da litografia, propôs o uso de uma placa de cera como matriz, e uma tinta de consistência mais densa. Isso lhe permitiu imprimir sem a necessidade de uma prensa grande e pesada.

Após alguns anos de experiências - desenvolvidas em paralelo às suas pesquisas com a Fotografia -, Hercule Florence conseguiu que a poligrafia imprimisse simultaneamente todas as cores, o que significava um enorme avanço técnico em relação à gravura tradicional e o levou a desenvolver o Papel Inimitável.

+ Conheça mais sobre o processo fotográfico de Hercule Florence 

A partir de 1832, começa a investigar as possibilidades de fixação da imagem utilizando a câmera escura por meio de um elemento químico que mude de cor pela ação da luz. Com a ajuda do boticário Joaquim Correa de Mello, realiza experiências fotoquímicas que dão origem a imagens batizadas de photographie (fotografia) em 1833.

Hercule Florence viveu no país até a sua morte, em 1879. Segundo seu biógrafo Estevão Leão Bourroul (1859 – 1914), a vida de Florence é a narração singela e comovente das peripécias, das descobertas, das viagens, que constituem uma das páginas mais interessantes dos anais contemporâneos.



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