Uma “viagem pitoresca pelo Brasil".
A produção fotográfica de Cássio Vasconcellos se destaca pela criação de espaços imaginários e de ficções a partir de elementos da realidade. Seu trabalho ultrapassa os métodos tradicionais da fotografia documental, criando uma linguagem experimental voltada à crítica da sociedade contemporânea.
Em seu livro Viagem pitoresca pelo Brasil, Cássio reúne trabalhos fotográficos inspirados nos registros dos artistas viajantes do século XIX, por meio de sua experiência imersiva pelas florestas brasileiras e a utilização de recursos digitais para recriar a estética dos desenhos e pinturas do período oitocentista.
O Brasil era um país totalmente fechado aos estrangeiros até 1808, quando o Príncipe Regente de Portugal, Dom João de Bragança, decretou a abertura dos portos às nações amigas. A partir de 1816, diversas missões científicas aportaram no Brasil com o objetivo de estudar e retratar o país. Entre elas estavam a Missão Artística Francesa (1816-1831), a Missão Austro-Alemã (1817-1835) e a Expedição Langsdorff (1821-1829).
Artistas como Hercule Florence, Aimé-Adrien Taunay, Johann Moritz Rugendas, Jean-Baptiste Debret, Conde de Clarac e Carl von Martius, entre outros europeus, foram responsáveis por registrar as paisagens, a flora, a fauna e a cultura local, apresentando-as ao velho mundo, que, até então não tinha nenhuma referência visual do que havia por aqui.
Nas imagens para esta série, Cássio evoca a estética oitocentista, redesenhando as fotos que fez de florestas, especialmente da Mata Atlântica, e enfatizando os detalhes da natureza. “A floresta é muito difícil de fotografar”, afirma o artista. “É uma confusão visual tremenda, porque são infinitos planos. É muita informação de uma vez só. São muitos quilômetros de caminhada para achar o ângulo perfeito e a luz ideal. Muitas vezes, levo um dia inteiro para fazer uma foto", completa.
Depois de captadas, as fotos ainda são trabalhadas digitalmente em várias etapas e camadas. O resultado, pela riqueza de detalhes e elementos, chega a levantar a dúvida se a imagem final é uma fotografia ou uma gravura.
Os artistas do século XIX também compunham suas obras em etapas. Era comum que, ao longo das viagens, eles apenas esboçassem seus registros para, posteriormente, montarem e finalizarem os trabalhos em seus ateliês. Hercule Florence, por exemplo, passou meses no Rio de Janeiro após o término da Expedição Langsdorff, finalizando seus desenhos.
Cássio ressalta que não teve a preocupação de revisitar os locais retratados pelos artistas viajantes. Isso nem seria possível diante das transformações que aconteceram nas paisagens desde aquela época.
Em sua Viagem pitoresca pelo Brasil, o fotógrafo busca refletir sobre a importância de olharmos para as questões ambientais. Sua reinterpretação do olhar dos artistas viajantes, unida à linguagem da fotografia contemporânea, nos impacta e nos sensibiliza para a urgência de preservarmos a natureza brasileira.
Assista ao vídeo em que o fotógrafo fala mais sobre a realização deste trabalho, por ocasião de sua exposição na Galeria Nara Roesler (2024):
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Artigo de Pablo Diener e Maria de Fátima Costa estuda o surgimento da categoria da Arte de Viajantes no âmbito das expedições científicas do Século das Luzes, até se constituir num gênero artístico que, nas primeiras décadas do Oitocentos, foi ganhando autonomia e definição