ensaios e reflexões

Biologia

Espécie de micro-rãzinha tem nome em homenagem a Hercule Florence

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Nova espécie de micro-rãzinha, descoberta em 2016, ganha nome em homenagem a Hercule Florence

Em novembro de 2016, após uma expedição a campo em Andaraí (BA), na Chapada Diamantina, o pesquisador Felipe Andrade retornou ao laboratório da Unicamp (Campinas, SP) com a 23ª espécie documentada do gênero Pseudopaludicola. A essa nova espécie foi dado o nome de Pseudopaludicola florencei, carinhosamente chamada de “Rãzinha-do-Florence”, em homenagem ao artista viajante Hercule Florence.

Pseudopaludicola florencei, descoberta em Andaraí (BA) é menor do que uma moeda de R$ 1
Imagem: Divulgação

A espécie encontrada por Andrade foi descrita pela primeira vez em artigo publicado no periódico científico Zootaxa em 2018. Segundo o pesquisador, a bioacústica foi essencial para a descoberta, já que o sapinho se difere da sua espécie irmã, a Pseudopaludicola pocoto, pelas características acústicas. Ao analisar o canto, o pesquisador percebeu que para emitir três notas a P. florencei leva 0.6 segundos, enquanto sua irmã, a P. pocoto leva 1.4 segundos para emitir as mesmas três notas. “Já conhecia o canto da P. pocoto, descrita dois anos antes da descoberta da P. florencei. Inclusive, havia escutado a P. pocoto dois dias antes e estava com seu canto muito fresco na memória. Por isso, quando ouvi o canto diferente ainda em campo, durante a expedição, logo percebi que se tratava de outra espécie”, conta Andrade.

A homenagem a Hercule nasceu em uma conversa entre Andrade e Luís Felipe Toledo, Professor de Vertebrados da Unicamp e curador da Fonoteca Neotropical. O artista viajante é considerado hoje pai da bioacústica por ter desenvolvido a Zoofonia, método para transcrever as “vozes dos animais” por meio dos signos tradicionais da música (em vez do sistema onomatopeico usado até então).

“A ideia em fazer uma menção a Florence era algo que tinha em mente desde a primeira espécie que descrevi. Há uma conexão nesta descoberta com os sons dos animais, já que para essa espécie as características acústicas são fundamentais. Sugeri o nome para o Felipe e na mesma hora ele topou”, explica Toledo.

FLORENCE, Hercule - [Página 108 do manuscrito L'Ami des arts livré à lui-même...] - 1837-1859 - Tinta ferrogálica e lápis sobre papel - 30,6 x 21,0 cm - Coleção Instituto Hercule Florence (São Paulo)
Foto Heitor Florence.

Para Andrade, que atualmente é pós-doutorando na USP de Ribeirão Preto, homenagear Hercule nesta descoberta fazia todo sentido. “Já que a bioacústica foi uma ferramenta poderosa para as descobertas dessa espécie, tinha toda lógica mencionar a pessoa que trabalhou na vanguarda disso”, conta.

No artigo sobre a espécie, assinado por Felipe Andrade, Isabelle Haga, Mariana Lyra, Felipe Leite, Celio Haddad, Axel Kwet, Luís Felipe Toledo e Ariovaldo Giaretta, é explicada a etimologia:

“O nome específico homenageia Antoine Hercule Romuald Florence. Mais conhecido como Hercule Florence, artista, pintor, polígrafo e inventor, é reconhecido como o inventor da fotografia no Brasil no século XIX. Após seu retorno da expedição de Langsdorff (de 1826 a 1829), Florence desenvolveu um sistema capaz de descrever adequadamente sons de animais, transcrevendo-os em uma pauta musical de cinco linhas (Florence 1831, 1876; Toledo & Araújo 2017). Tal método, denominado como “Zoophonie” por Florence, foi o primeiro método universal de descrever sons de animais e por isso é ele designado “pai da bioacústica” (Vielliard 1993; Toledo & Araújo 2017). Pelo menos essas duas técnicas (fotografia e zoofonia = bioacústica) são fundamentais para a descrição das espécies hoje em dia (Köhler et al. 2017). Especificamente, a bioacústica tem se mostrado eficiente em esclarecer a taxonomia do gênero Pseudopaludicola (como no presente estudo)”.  

As rãzinhas, que pertencem ao gênero Pseudopaludicola , despertaram nos últimos anos a atenção de alguns cientistas por serem uma fauna tipicamente brasileira parcialmente inexplorada: é possível que existam espécies ainda não documentadas, esperando para serem descobertas.

Importância ecológica

Apesar do gênero ainda ser pouco estudado, o que os cientistas já sabem é que essas rãzinhas têm papéis relevantes em seus ecossistemas, a começar pela cadeia alimentar.

Esses pequenos anfíbios se alimentam de aranhas, besouros e mosquitos, por exemplo, e, dessa forma, acabam por fazer o controle populacional de insetos vetores de doenças. No sentido contrário da cadeia, eles servem de alimento para uma gama de animais maiores - até mesmo outros sapos.

Para além disso, são importantes conversores de nutrientes: como vivem na água, incorporam nutrientes aquáticos e os devolvem à terra ao morrerem. Sua predileção pela água também tem ajudado em projetos de preservação. A espécie Pseudopaludicola ameghini, por exemplo, é presente em áreas de nascentes de água. Assim, ao identificar locais de incidência da espécie, também é possível identificar áreas de nascentes a serem protegidas.

Sobrenome Florence também aparece no reino mineral

Essa não é a primeira vez que um Florence é homenageado em achados científicos. Muito antes da descoberta da Rãzinha-do-Florence, precisamente em 1899, um mineral foi batizado em homenagem a Guilherme “Willy” Florence (1864-1942), 5º filho de Hercule Florence e da educadora Carolina Krug, sua segunda esposa.

Guilherme Florence e Isabel Florence - Coleção Instituto Hercule Florence (São Paulo)

Guilherme, mineralogista que compôs a extinta Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (CGG), foi quem realizou o exame químico preliminar da primeira florencita, um mineral, quimicamente um Fosfato (PO43-) de elementos terras-raras.

Florencite-(Ce)

Willy, como era conhecido entre a família, era irmão gêmeo de Paulo Florence e realizou seus primeiros estudos no Colégio Morton, em Campinas, dando sequência em um ginásio de Kassel, na Alemanha.

Formado em Engenharia de Minas e Metalurgia na Clausthal University of Technology, em Clausthal-Zellerfeld, Alemanha, e depois Academia de Berlin, o mineralogista foi responsável pelo levantamento da planta geológica do Estado de São Paulo. Em colaboração com Jovino Pacheco, o filho de Hercule e Carolina foi autor da carta geológica do estado na escala 1: 1000.000. Segundo o jornal O Correio Popular de Campinas (14/06/1964) “trabalho este que se classifica como o mais importante e precioso até hoje feito sobre a geologia de campo, em termos de dificuldades...”.

Para além disso, como mineralogista, Guilherme também realizou as primeiras pesquisas sobre ouro em São Roque, SP e promoveu o aproveitamento econômico das jazidas de apatita do Ipanema.


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