ensaios e reflexões

resenha crítica

Hercule Florence: novos rumos para pesquisas

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Cecilia Prada comenta Cartografia Migrante, novo livro sobre o artista-viajante de autoria da pesquisadora italiana Chiara Vangelista

*Por Cecília Prada

O livro Cartografia Migrante, recente lançamento da historiadora Chiara Vangelista, docente aposentada da Universitá degli Studi de Gênova, parece ter vindo para finalmente preencher grande parte do mistério que envolveu a vida e a carreira profissional, como cientista e como artista, de Hercule Florence. Tierry Tomas, historiador belga e colaborador do IHF, declarou após a leitura que o livro é um “marco na historiografia de Hercule Florence”. Concordamos com essa informação, visto que a obra propõe uma contextualização precisa de cada elemento evocado de sua vida e suas obras.

 

livro cartografia migrante
Cartografia Migrante de Chiara Vangelista 

Surpresa é constatar logo na introdução que, contando hoje a autora de 73 anos e feito carreira na Itália, venha há meio século se inteirando da importância da figura de Hercule Florence, enquanto no Brasil, e até mesmo em Campinas, onde ele passou dois terços de sua vida adulta, persiste até hoje má-informação e desconhecimento da sua carreira como artista e como cientista.

A autora traça a evolução das três linhas de pesquisa que segue a partir de 1973 e que resultam, agora, no volume publicado em italiano em 2022 pela editora Licosia – o IHF já está patrocinando sua tradução, a cargo de reputado escritor português.   

Usando uma metáfora de “viagem” e para tal escolhendo uma divisão em oito capítulos relativos a lugares diversos em que Hercule viveu do nascimento à morte, a autora por assim dizer desculpa-se por não apresentar uma “história de vida” – ou o que seria, para ela, uma verdadeira “biografia”.  A grande bibliografia relativa a Hercule, disponível principalmente em museus e instituições culturais, no Brasil e em vários países europeus, está concentrada em livros de tipo científico ou artístico. Porém, em pesquisa etno-histórica estabelecida desde 1973 sobre a coleção de retratos de indígenas feitos durante a Expedição Langsdorff por Florence, Chiara ligou-se logo a pesquisas de sua vida no Brasil e de nosso modo de vida durante o Império. Tríplice objetivo, ancorado há bastante tempo em um seminário interdisciplinar permanente integrado por especialistas brasileiros e europeus – com o apoio de instituições como a Universidade Federal de Mato Grosso e a Casa de Rui Barbosa, e, do outro lado do Atlântico, do Institut des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris.

É obra, portanto, que se destaca como da maior autoridade e competência para estabelecer aspectos inéditos da figura de Hercule Florence, tomado como personagem cujo ato de emigrar – aos 20 anos, em prodigioso salto transatlântico – transformou totalmente em típico “homem do século XIX”, representante daquela geração que seria reconhecida como “filhos de Napoleão Bonaparte e netos da  Revolução Francesa”.

A professora particulariza, em sua apresentação, o apoio que tem recebido no decorrer de seu trabalho do IHF, especialmente de seu presidente Antônio Florence, “por ter colocado à sua disposição os manuscritos do jovem nicense, chegado ao Brasil há quase 200 anos”. Com as diligências que tem empreendido ultimamente, de duplo naipe – isto é, de um lado os contínuos esforços para provar a prioridade das experiências do Patrono, e de outro o exame das suas circunstâncias pessoais – o IHF concretiza seus propósitos educacionais.

Ou seja, estimular também os estudos sobre os aspectos característicos do século XIX e sua remanescência no que ainda carregamos em nós, de bem ou de mal. Pois, para o grupo de Chiara e especialistas, ele personifica um aspecto específico do “imigrante individual” que, na primeira parte de sua época, – na maioria das vezes como mero “aventureiro” – acabava por desempenhar relevante papel na circulação de conhecimentos e ideias entre a Europa e a América.

Pretendo examinar em textos posteriores alguns dos elementos da obra que justificam tomá-la como ponto de partida para novas pesquisas, desde já ressaltando, porém, que pela fluência do estilo direto, pela criteriosa apresentação de bibliografia, sua leitura é fácil e interessante não somente para os especialistas no tema no âmbito universitário, mas para o público em geral.

* Cecília Prada (Bragança Paulista, São Paulo, 1929) é jornalista, ficcionista, dramaturga, tradutora, crítica de literatura e teatro. Em 1951, licencia-se em Letras Neolatinas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. No mesmo ano, conclui a graduação em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero.


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